Quem Fez o 2 de Julho: Maria Quitéria

Blog
Banner - Quem Fez o 2 de Julho: Maria Quitéria

Conheça a história da mulher que se voluntariou para enfrentar os portugueses

Reportagem: Ana Virgínia Vilalva / Secom

Uma das grandes heroínas da Independência da Bahia, Maria Quitéria de Jesus viveu uma vida de aventuras desde a infância. Nascida provavelmente em 1792, em São José das Pororocas, hoje distrito que leva o nome da heroína, em Feira de Santana, no Centro-Norte baiano, ela foi uma criança comum, que gostava de se divertir, correr e brincar.

Ela pediu uma saia para deixar claro que era mulher e que estava lutando

Conheça a história de Maria Quitéria no 3º episódio do podcast Quem Fez o 2 de Julho

Filha de Gonçalo Alves de Almeida e Quitéria Maria de Jesus, perdeu a mãe aos 10 anos. A partir deste acontecimento, a família se mudou para Serra de Agulha, localidade hoje conhecida como Tanquinho, onde se estabeleceram. A família, considerada de classe média na época, possuía plantação de algodão e criava gado para comercializar.

Pouco depois, o pai se casou novamente com Maria Rosa de Brito, com quem Maria Quitéria não teve um convívio fácil. Ao contrário da rotina livre, correndo pelos campos e bosques, a madrasta a queria em casa, se restringindo aos afazeres domésticos e se preparando para o matrimônio. Na adolescência, Quitéria se apaixonou pelo lavrador Gabriel Pereira de Jesus, a contragosto do pai.

Segundo a historiadora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Marianna Teixeira Farias, naquela época era comum no interior que as mulheres soubessem manejar armas de fogo, mas para uso privado (e não para guerra, como posteriormente aconteceu com Maria Quitéria).

“Ela sabia atirar muito bem, cavalgava bem para afastar índios no entorno da fazenda, porém, havia este conflito com a madrasta, em razão de uma vida vista como não-feminina. Maria Rosa dizia que ela precisava tecer, fiar, costurar, bordar e arranjar um marido”, disse Marianna.

Vocação

O voluntariado para a batalha surgiu em 1821, quando os emissários do príncipe Pedro de Alcântara percorreram o Recôncavo em busca de voluntários para a grande causa da independência. Em uma noite, um dos emissários chegou à casa de Quitéria, falando sobre a tirania de Portugal e o movimento de guerra que estava acontecendo. Ali, ela se deu conta que era a saída para a vida que ela queria. Ao se voluntariar, o pai a repreende.

A saída foi fugir de casa no dia seguinte e pedir guarida à irmã, Tereza, casada com José Cordeiro de Medeiros. Com a ajuda do casal, ela corta os cabelos, pega as roupas do cunhado emprestadas – e o nome também – e assume nova identidade. A partir daí, ficaria conhecida como Soldado Medeiros.

Ao ingressar no batalhão, Maria Quitéria chega primeiro na artilharia, onde manuseia armas e é constantemente elogiada pela pontaria e pela disciplina. Nesse período, o pai estava à sua procura e, quando a reconhece por detrás de todo o disfarce, resolve levar a filha de volta para casa.

A historiadora conta que, na época, o travestismo era crime, e uma mulher adentrar um espaço de homens, como o Exército, também. Porém, o Major Silva Castro a defende e deixa a cargo de Maria Quitéria a decisão de seguir ou não no batalhão. Ela, então, permanece contra a vontade do pai e, a partir daí, os comandantes e os Diários Oficiais passam a se referir a ela como Maria de Jesus, deixando a identidade de Soldado Medeiros para trás.

Força feminina

Maria Quitéria passou a integrar o Batalhão dos Periquitos, ou 3º Batalhão de Infantaria. O nome do batalhão se dá devido a vestimenta, um dólmã de cor azul com golas esverdeadas. A primeira missão aconteceu em 29 de outubro de 1822, na Ilha de Maré. Lá, os soldados organizaram a defesa da ilha, protegendo a Baía de Todos-os-Santos e os mares, como forma de vencer a guerra pela escassez de alimentos das tropas portuguesas.

Logo depois, eles seguem para Itapuã, integrando a Brigada de Esquerda. Dali, eles seguem para a Batalha de Pirajá, e mais adiante para a Estrada da Pituba, onde os portugueses tentaram surpreender Maria Quitéria. Este confronto, segundo os biógrafos, foi o batismo de fogo da soldado. Neste momento, ela atacou a trincheira inimiga e fez prisioneiros, levando soldados portugueses para o acampamento brasileiro.

Após o episódio na Pituba, o General Pedro Labatut a conferiu as honras de primeiro cadete. Foi um grande feito, pois, mesmo cometendo um “crime” de ocupar um lugar tradicionalmente destinado aos homens, ela estava subindo na hierarquia do exército.

A partir deste encontro, ela fez um requerimento ao conselho interino, encomendando o que veio a se tornar a sua marca registrada: um saiote escocês.

Além das batalhas já registradas, existem ainda menções em Conceição da Praia e Nazaré, além da Barra do Paraguaçu, datada de abril de 1823. Mas algo ainda mais importante aconteceu neste período: o casamento de Maria Quitéria com o Furriel João José Luís.

Uma documentação, datada de março de 1823, em nome dos membros do Conselho Interino do Governo da Província, ordena ao Deputado Inspetor dos Fardamentos Montanhês e Misteres que seja entregue ao Furriel João José Luís e à sua mulher, Maria Quitéria, praça de cadete, uma barra de botões.

Quitéria na Corte

Depois de toda a celebração, Maria Quitéria vai conhecer Pedro de Alcântara, que viria a ser Dom Pedro I. No Rio de Janeiro, é condecorada com a Grande Insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro, além de receber um soldo perpétuo.

“Até hoje essa é uma, se não a maior condecoração que alguém pode receber, e ela recebeu das mãos do próprio imperador. Maria Quitéria foi a primeira mulher, e mulher das Forças Armadas, a receber a condecoração”, declara Marianna.

Após a condecoração e homenagens, Maria Quitéria buscou pelo perdão do seu pai, e pediu ao Pedro de Alcântara que escrevesse uma carta endereçada a ele. Até hoje, não se sabe se houve o perdão – segundo o testamento do pai, ele teria deixado bens para todos os filhos, inclusive ela. No entanto, por decisão da madrasta, Maria Quitéria não recebeu a parte a que tinha direito e lutou na justiça para reaver, sem êxito.

Sobre a união com o furriel, acredita-se que ele tenha morrido durante a batalha do 2 de julho. Ao retornar sozinha, ela reencontra o lavrador Gabriel, com quem se casou e teve uma filha, Luiza Maria da Conceição.

Após a morte de Gabriel, Maria Quitéria se muda com a filha para Salvador, onde viveu até a morte, esquecida no anonimato, aos 56 anos, com inflamação no fígado e cega. Segundo a certidão de óbito, os restos mortais estão na Grande Igreja da Matriz, hoje Igreja de Santana, mas sem comprovação exata.

Homenagens

Desde o século XIX, existe uma vasta produção intelectual sobre a sua vida, desde poesias até livros, inclusive biografias. No século XX, são erguidos monumentos em Salvador e Feira de Santana, além do quadro pintado por Domenico Failutti, cuja reprodução é obrigatória desde 1996 em todos os quartéis do Brasil.

Em Salvador, a homenagem à soldado está localizada na Praça da Soledade, na Rua Lima e Silva, perto da Igreja da Lapinha, importante cenário da Batalha do 2 de Julho. Inaugurada em agosto de 1953, a obra é de autoria de José P. Barreto e é feita de bronze, com pedestal em granito.

Em Feira de Santana, Maria Quitéria é lembrada com um monumento na via da cidade que leva seu nome. Ele foi desenhado pelo arquiteto Luiz Humberto de Carvalho, doado pelo Rotary Club em 2001 e inaugurado em 2002. Encravada na estrutura de concreto está a silhueta dedicada a ela, de autoria do artista plástico Juraci Dórea.

Onde ouvir o podcast Quem fez o 2 de julho:

Spotify neste link.

Agência de Notícias neste link.

YouTube neste link.

Deezer neste link.

Apple Podcasts neste link.

Amazon Music neste link.