Trancistas do Curuzu

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Tranças. Foto skyNext

Conheça a história de mulheres que fazem da sua arte sinônimo de beleza e empoderamento feminino

Tranças. Foto Alessandro Biascioli

Por Cristiele França
Jornalista  

Andar pelas ruas de Salvador é ter a certeza de que veremos uma grande variedade de tranças e penteados afros, de estilos e modelos variados, enfeitando as cabeças de homens e mulheres. Muita gente não sabe mas, de acordo com informações da jornalista Juliana Henrik no portal Voz das Comunidades, a trança africana, especificamente a nagô, é bastante antiga na África e os penteados abrangem diversas áreas sociais. Religião, parentesco, estado, idade, etnia e outros atributos de identidade podem ser expressados em penteados.

Ainda segundo a publicação, “termos étnicos como Nagôs, Angolas, Jejes e Fulas representavam identidades criadas pelo tráfico de escravos e cada termo continha um leque de tribos escravizadas de cada região”. Mas o que muita gente não sabia é que as divisões e o reconhecimento dessas tribos eram feitos a partir do desenho e da observação de cada penteado, que tinha sempre um mapa para ajudar na localização dos seus integrantes.

Com o processo de escravização das sociedades africanas, no início do século XV, o cabelo também exerceu papel importante como condutor de mensagens, como parte de um complexo sistema de linguagens.

Segundo a publicação de Juliana Henrik, a manipulação do cabelo era uma forma de resistência e de manter suas raízes. “As tranças serviram também como pano de fundo de diversos movimentos como a Marcha dos Direitos Civis nos Estados Unidos e o aparecimento de movimentos negros como o Black Power e os Panteras Negras, que lutavam pelos direitos e enalteciam a cultura afro”.

Dito isso, podemos entender a grande variedade de estilos de tranças africanas, que vão desde curvas complexas e espirais à composição estritamente linear. Mas o que muitas vezes não fazemos é ouvir e conhecer a história das donas das mãos talentosas que ornam as cabeças dos soteropolitanos. Conheça agora a história de algumas delas, que estão inseridas no bairro do Curuzu.

E por que conhecer quem sobe a Ladeira do Curuzu?

Até 2017, o Curuzu era uma rua do bairro da Liberdade. Mas, como cresceu em relação à sua autonomia e identidade, foi incluído na lista de bairros de Salvador, por meio da Lei Municipal nº 9.278/2017. A escolha por apresentar a história de trancistas do bairro se dá pela ligação desse lugar com a cultura afro-brasileira, que existe desde o início da ocupação do local.

Lá, há vários terreiros de candomblé, entre eles os tradicionais Ilê Axé Jitolu e o Terreiro Vodun Zo Kwe que, para além das atividades religiosas, foram pioneiros na realização de atividades culturais e socioeducativas para a comunidade em prol da cultura afro-brasileira e contra o racismo.

A partir de 1974, o Curuzu ganhou outro reforço: o Ilê Aiyê, o mais antigo bloco afro do Carnaval de Salvador, fundado por moradores do bairro. O Ilê Aiyê é um grupo cultural que promove a cultura de origem africana no Brasil.

Atualmente, o bloco mantém uma associação cultural, sendo considerado um patrimônio da cultura baiana, marco no processo de reafricanização do Carnaval da Bahia. Caracteriza-se também como uma entidade de militância negra, contando com ações de valorização da cultura e de combate ao racismo. Uma dessas ações é a A Noite da Beleza Negra, o maior concurso de beleza e exaltação da mulher negra no Brasil, que acontece desde 1975 e elege a Deusa do Ébano (Rainha do Ilê).

Sustento da família

Nascida no bairro do Pero Vaz, Itana Sara Santos teve uma infância difícil, pois foi criada por mulheres que sempre trabalharam para manter a família. Na adolescência, foi morar no Curuzu, onde aprendeu a trançar cabelos.

“Isso aconteceu porque minha mãe não tinha condições de pagar a trancistas. Aprendi por necessidade mesmo, pra fazer minha autotrança e também ganhar um dinheiro com isso pra ajudar no sustento da família”, explica.

Atualmente, aos 29 anos, faz todos os tipos de penteados afros, tranças nagôs e aplica as técnicas do crochet braids e entrelace no seu próprio salão, o Studio Orí de Ouro. O público que atende é formado, em geral, por mulheres negras, de baixa renda, que estão em fase de transição.

“Minha prioridade é ajudar essas mulheres a descobrirem a própria identidade, enaltecendo a beleza delas, fazendo com que descubram a textura e a beleza dos próprios cabelos, fazendo assim as pazes com o espelho e com a autoestima”, destaca a trancista.

Serviço:
Studio Orí de Ouro
Endereço: Rua da Meireles, nº 8, em frente à Barbearia Nino Black
Instagram: @orideouro
Tel: (71) 99237-8864

Força empreendedora

Também moradora do Curuzu, Heliene Teles (Afrele Teles) é filha de pai motorista e mãe ambulante, a caçula entre quatro irmãs. No início da adolescência, ao transitar pelas ruas, passou a observar as semelhanças entre as mulheres do bairro.

“Sempre quando andava pelos becos e vielas, via aquelas negras bonitas desfilando pelo bairro com os cabelos trançados e com lindos penteados afros. Via também minha mãe se arrumando para ir vender nas festas de largo e minhas irmãs se enfeitando pra irem à escola. Como naquela época esse tipo de serviço era caro, minha mãe acabava não tendo condições de pagar para fazer de nós quatro, e eu, por ser caçula, sempre sobrava”, conta.

Mas engana-se quem pensa que ela esmoreceu. O que poderia ser motivo para desânimo, na verdade a impulsionou a seguir em frente e, aos 13 anos, começou a aprender as técnicas das tranças africanas.

“Usei minha irmã como cobaia, porque, até então, só tinha visto uma pessoa fazer as tranças, mas nunca tinha parado pra fazer. Fiz as tranças nagôs dela e percebi que tinha o dom pra isso. No começo, cheguei a passar quatro dias fazendo o cabelo de minha irmãno modelo channel. Mas fui me aperfeiçoando e hoje tenho uma loja no centro de Salvador, a Linda Arte Hair, especialista em extensão capilar, tranças afros, dreads looks, penteados afros, dentre outros”, comemora.

Serviço:
Linda Arte Hair
Endereço: Rua Forte de São Pedro, Edifício Plaza, 173, loja 11 – Campo Grande
Instagram: @tellesperucasafros
Tel: (71) 98131-1444

Identidade própria

Nascida e criada no Pero Vaz, Elaine Cristina Silva Lima de Jesus é filha de dona de casa e vigilante. É a caçula dos três irmãos e considera que teve uma infância simples, mas muito feliz. Aos 17 anos, reconhecendo a necessidade de buscar uma colocação no mercado de trabalho, começou a trançar cabelos em um curso profissionalizante na Associação Cultural Ilê Aiyê.

“Eu já sabia trançar, mas eu me profissionalizei graças ao Ilê Aiyê. Até então, minha autoestima era muito baixa, não me aceitava, não me achava bonita, nem gostava dos traços do meu rosto, ou seja, eu não me reconhecia. Só depois desse curso eu passei a me reconhecer como mulher preta e por isso sou muito grata a essa instituição”, destaca.

Após assumir a sua própria identidade, Elaine decidiu proporcionar a mudança na vida de outras mulheres, criando o seu próprio salão, especializado em estética afro.

“O perfil da Ori Candaces é cuidar da estética do ori (cabeça) das mulheres pretas da nossa cidade, pois a maior dificuldade de aceitação está em nós, devido a tantas situações de preconceito que somos expostas no dia a dia”, explica a trancista.

Elaine trabalha com diversas técnicas, entre elas box braids, penteados afros, tranças gana e nagô, além de entrelaces e crochet braids.

“Quando as meninas chegam, elas saem sabendo que estão sendo coroadas, sabendo o significado de cada trançado e cientes de que nossas tranças contam histórias da nossa ancestralidade”, pontua.

Serviço:
Ori Candaces
Endereço: Rua do Progresso, 39, Curuzu
Instagram: @oricandaces
Tel: (71) 98682-5384

Uma mulher empoderada

Bailarina desde os 6 anos de idade, Monique Ellen Silva Santos teve a infância marcada pela separação dos pais e pelo sonho de uni-los novamente, sendo esse o seu principal pedido das cartinhas que escrevia para Papai Noel no Natal. Com o distanciamento do pai, desistiu dessa ideia na adolescência e, além do amor da mãe, passou a ter no avô e no padrasto as principais referências masculinas. Começou a trançar cabelos após desistir de se tornar uma bailarina profissional, aos 15 anos.

“Eu, desde pequenininha, via minha mãe trançando os cabelos das vizinhas, via que elas saíam se sentindo lindas, revigoradas, com brilho nos olhos, e eu ficava impressionada. Com isso, comecei aos poucos, aos 17 anos, a fazer penteados, observando e pedindo orientação a minha mãe. E hoje, aos 21 anos, eu faço isso profissionalmente”, explica.

Apelidada como Mulher de Fases, Monique se considera inspiração para muitas de suas clientes, já que sempre procura mudar o visual e alimenta a sua página pessoal no instagram (@oxe_elenoficiall), mostrando essas mudanças.

“Minhas clientes, em geral, querem experimentar coisas novas, querem mudar o visual. E tem aquelas que estão em fase de transição e vão lá buscar alternativas para que isso ocorra sem baixar a autoestima”, explica Monique.

Trabalhando com tranças nagôs, twists, orgânicos, penteados, box braids e entrelaces, Monique sente-se realizada com o trabalho que faz e resume:

“Quando termino um cabelo, vejo o brilho no olhar das minhas clientes e isso pra mim é uma satisfação. E eu fico revigorada, pois vejo o sorriso e a postura de uma mulher empoderada”, finaliza.

Serviço:
Belíssima Essência
Endereço: Rua Prudente Moises, 12 – Curuzu
Instagram: @belissima889 e @oxe_elenoficiall
Tel: (71) 98785-2136

Cristiele França
Jornalista

Sobre a colaboradora: Cristiele França é Ekedji do Ilê Asé Oya Mesi. Jornalista, faz o programa Mojubá do Grupo Metrópole e é assessora de imprensa na Secretaria Municipal da Educação. Vale conhecer o seu canal no YouTube neste link.