Baianas de Acarajé

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A baiana de acarajé Ana Cássia. Foto Tércio Campelo. Heat Creative.

Dia da Baiana terá websérie na internet em homenagem ao símbolo da cultura baiana

Por onde você passar, lá elas vão estar. É comum a baiana de acarajé ser a primeira pessoa com quem um visitante tem contato ao chegar. São elas que apresentam a cidade, os costumes e os sabores de Salvador. As Baianas de Acarajé são memória histórica e afetiva da Bahia.

O Dia Nacional da Baiana de Acarajé é comemorado anualmente em 25 de novembro. Uma homenagem à importância histórica e cultural da figura da baiana do acarajé, nome dado às mulheres que se dedicam à produção e venda dessa iguaria típica da Bahia. A data simboliza o reconhecimento da importância do legado dos ancestrais africanos no processo histórico de formação de nossa sociedade e do valor patrimonial de complexo universal cultural.

Em comemoração a esta data, será lançada uma websérie no YouTube, redes sociais do Visit Salvador da Bahia e no nosso site. Dividida em três episódios, faz uma verdadeira imersão pela história, costumes, indumentária, religião e símbolos atrelados às baianas, que são consideradas patrimônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

De acordo o um levantamento da Associação das Baianas de Acarajé (ABAM), Salvador tem 3,5 mil baianas e baianos espalhados por toda a cidade. Rita Santos, Presidente da ABAM e que está à frente do Memorial das Baianas de Acarajé, explica:

“Tudo começou no simbólico. As mulheres escravizadas vendiam acarajé para comprar alforrias. Na segunda etapa, foram as baianas indo para a rua para mercar o acarajé para fazer suas obrigações nos terreiros, normalmente as filhas de Oiá (não poderia ser qualquer pessoa). Com o passar do tempo, se viu que, com aquele bolinho, ela poderia sustentar a família, foi quando o acarajé foi para a rua ser comercial. Ele é comercial, mas na minha cabeça ele ainda é simbólico por continuar sendo do terreiro, continua sendo sagrado. O acarajé é uma oferenda para Iansã e o abará é uma oferenda de Xangô”.

No início, todas as pessoas que produziam e comercializavam o acarajé eram iniciadas no candomblé, numa prática restrita a mulheres, em geral Filhas de Santo dedicadas ao culto de Xangô e Oiá (Iansã). Para cumprir suas “obrigações” com os orixás, durante o período colonial, as negras libertas ou negras de ganho preparavam os quitutes e saíam às ruas de noite para vendê-los, dando origem a esse costume. Até hoje, a grande maioria das baianas vai para a rua só a partir das 17h.

Segundo a griô Nancy Sousa, mais conhecida como Dona Cici, essa época de transição do ser humano escravizado para o ser livre tem muita relação com a história das baianas de acarajé, já que era a forma de ganhar dinheiro. Inclusive, ela conta que algumas amarrações de torços e turbantes das baianas, significavam a nação da qual ela fazia parte.

História do Acarajé

Dona Cici dedica seu tempo a passar a sabedoria ancestral afro-brasileira adiante. Ela sabe muita coisa sobre a cultura dos orixás e sobre nossa história. E foi no jardim da Fundação Pierre Verger que ela contou sobre o Mito do Acarajé.

 

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No livro “Cozinhando Histórias – Receitas, Histórias e Mitos de Pratos Afro-brasileiros”, a pesquisadora e fotógrafa Josmara B. Fregoneze, a especialista em culinária afro-brasileira, Marlene Jesus da Costa e Dona Cici, contam que muitos dos pratos afro-baianos servidos hoje – principalmente em ocasiões festivas – e restaurantes, tiveram origem em fundamentos religiosos ligados ao candomblé.
O acarajé dos iorubas da África ocidental (Togo, Benin, Nigéria, Camarões) é semelhante ao falafel árabe que é feito de uma massa de grão de bico triturado e frito. Na lingua ioruba, “Àkàrà” significa “bola de fogo”, enquanto que “je” significa “comer”, ou seja, “acarajé” é “comer bola de fogo”.

Segundo a lenda, todos os dias Oxum preparava a comida de Xangô e Iansã levava na cabeça a panela que continha o segredo do rei até seu palácio. Certo dia, Oxum chamou Iansã e pediu que levasse a panela mas que não olhasse o que tinha dentro. No meio do caminho para o palácio do rei Xangô, a curiosidade foi mais forte e Iansã abriu a tampa e, muito assustada, viu as labaredas de fogo subirem a grande altura. Rapidamente, ela fechou a panela e continuou seu caminho. Chegando ao palácio, ajoelhou-se diante de Xangô e arriou a panela, desviando o olhar do rei. Xangô perguntou três vezes se ela viu o que o rei come. Iansã disse que sim. Então Xangô disse: “As mulheres que conhecem meu segredo passam a ser minhas esposas”.

Tabuleiro da Baiana

 

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São muitos os caminhos para melhor conhecer os valores históricos, sociais, religiosos, estéticos e gastronômicos que fazem o ofício das baianas de acarajé. A indumentária das baianas constitui também um forte elemento de identificação desse ofício que, para muitas delas, simboliza a iniciação religiosa das baianas.

No tabuleiro da baiana tem que ter: acarajé, abará, vatapá, caruru, camarão, salada e pimenta, além da cocada, bolinho de estudante e a passarinha. Só que, mesmo assim, tudo isso fica a critério de cada baiana. Rita Santos explica que, cronologicamente, no começo, era vendido apenas o “bolinho” com a pimenta. Depois, foram adicionados o vatapá e camarão. Já o caruru e a salada tornaram-se um costume há cerca de 30 anos. Por isso, algumas baianas não vendem estes dois últimos complementos, por não acharem que faça sentido.

“Eu gostaria de resgatar outras coisas que tinha nos tabuleiros como pé de moleque, o peixe, o acaçá, tinha farinha da vovó, tinha muitas outras coisas no tabuleiro da baiana antigamente”, desabafa Rita Santos.

Indumentária e Religiosidade em Torno da Baiana

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A roupa da baiana também reúne elementos visuais do barroco da Europa por meio dos seus muitos bordados e rendas. É uma indumentária multicultural, do azeite de dendê, que envolve diversos elementos como o pano engomado, o tradicional richelieu, o perfume de alfazema, a figa e os brincos de búzio, somados ao jeito alegre de ser da baiana.

Essas chamadas “roupas de Gala” são mais utilizadas em dias de festas populares, cortejos e em receptivo. Ganham ainda Pano da Costa, e hoje adicionaram até panos com brilho, além das tradicionais figas, colares maiores, pulseiras e anéis.

A baiana de acarajé Ana Cássia, que tem seu tabuleiro no Farol da Barra, é daquelas que têm orgulho do que fazem e da tradição de sua família, onde a avó e a mãe eram baianas. Ela vai toda montada para o tabuleiro dela, com anágua e tudo mais.

É uma norma da vigilância sanitária que, quem trabalha com comida, tem que estar de branco. Mesmo seguindo as normas, nos dias de cada santo, podemos reparar que algumas baianas fazem algumas mudanças em sua indumentária, adicionando cores e símbolos em reverência aos orixás, lembrando que isso não é uma regra, vai de cada um.

Por exemplo, às terças-feiras, dia de Ogum, usam azul escuro e as vezes verde; às quartas-feiras, dia de Iansã, usam vermelho; às quintas, dia de Oxóssi, usam verde e assim por diante para cada orixá. Há as baianas que sempre colocam estampas de chita, que eram as roupas que as primeiras baianas de acarajé usavam.

Um ofício de mãe para filha

A atividade de produção e comércio da iguaria é predominantemente feminina, e encontra-se tanto nos espaços públicos, principalmente praças, ruas, feiras da cidade e orla marítima, como também nas festas de largo e outras celebrações que marcam a cultura da cidade.

O ponto da baiana é licenciado na Prefeitura, então não se pode vender para uma outra pessoa, sendo passado de mãe para filha. Mas mesmo antes de toda a legalização do ofício, já era tradição o tabuleiro passar para algum familiar. Duas baianas superconhecidas são exemplos. Dinha, no Rio vermelho e Tânia Bárbara Neri, no Farol da Barra. Saiba essas e outras histórias neste link:

O mapa dos Acarajés

Mas como toda regra tem suas exceções, muitas baianas não tiveram filha mulher, mas sim homem, e os filhos seguiram os passos da mãe, já que essa é uma profissão familiar. Segundo Rita Santos, existe um casal no Farol Barra cujas famílias, tanto da esposa quanto do marido, são formadas por baianas de acarajé. Hoje, casados, ambos continuam com a profissão.

Hoje em dia, também não é uma regra que sejam pessoas do candomblé. A baiana pode até ser de outra religião, desde que ela respeite a tradição e que ela siga o decreto do IPHAN, onde a baiana deve estar na rua de bata, saia e torço e o tabuleiro tem que estar organizado. Também são liberados pela vigilância sanitária os fios de contas e os brincos.

É por tudo isso que as Baianas de Acarajé representam a arte e a energia da Bahia. O famoso acarajé carrega doses de alegria e ancestralidade. Além de alimento e sustento para várias famílias, tem um importante caráter simbólico.

Por Fernanda Slama
Coordenadora de Conteúdo

Nota:
Livro: “Cozinhando Histórias – Receitas, Histórias e Mitos de Pratos Afro-brasileiros” com fotos de Pierre Verger. Foi escrito por Josmara B. Fregoneze, Marlene Jesus da Costa e Nancy Sousa, mais conhecida como Dona Cici.