
Produção cultural genuinamente soteropolitana
Aqui na Bahia, nem só de forró vivem os festejos juninos. Em Salvador, praças, largos e festas de rua acontecem ao som do samba duro, onde clássicos musicais do São João se uniram ao ritmo do samba, dando origem a uma manifestação cultural nascida na capital baiana.
Reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial de Salvador, por meio da Fundação Gregório de Mattos (FGM), o samba junino anima há mais de 40 anos os festejos de São João em vários bairros da cidade. Além disso, serviu como base para o surgimento de outros estilos musicais contemporâneos. O Visit Salvador da Bahia te convida a conhecer mais dessa história.
Uma expressão cultural afro-brasileira genuína de Salvador
O samba duro é uma das principais características do Samba Junino. A musicalidade singular é feita primordialmente pelo toque de instrumentos percussivos – timbal, tamborim e surdo – que fazem o ritmo ser caracterizado por uma sonoridade mais acelerada, corrida e marcada, denominada de samba duro, bem como samba urbano.
No estudo etnomusical da professora doutora Ângela Lühning e do mestre Gustavo de Melo, o Samba Junino tem raízes do samba de caboclo nos terreiros de Candomblé, e que surgiu como arrastões que desfilavam por bairros como Engenho Velho de Brotas, Engenho Velho da Federação, Federação, Fazenda Garcia, Tororó, Nordeste de Amaralina, entre outros.
De acordo com pesquisas realizadas pela equipe de Patrimônio Cultural da FGM, com organização e texto da historiadora, pedagoga, especialista em História e Cultura Baiana, Magnair Barbosa, as manifestações do Samba Junino são iniciadas ainda na chamada “queima de Judas”, no sábado de Aleluia (dia que antecede o Domingo de Páscoa), com encerramento nos festejos ao 2 de Julho – incluindo nesse período as rezas direcionadas aos santos juninos: Santo Antônio, São João e São Pedro.
Patrimônio Cultural de Salvador
Surgido na década de 1970, o samba junino já é considerado Patrimônio Cultural de Salvador. O reconhecimento foi registrado no Decreto 29.489/2018, publicado no Diário Oficial do Município (DOM), no dia 8 de fevereiro de 2018. O registro funciona para o patrimônio imaterial como o tombamento para o patrimônio físico. Segundo o presidente da Fundação Gregório de Mattos, Fernando Guerreiro, esse foi o primeiro registro de patrimônio cultural da cidade.
Em 2020, passou a integrar o calendário oficial de eventos do Município de Salvador, sendo 17 de abril o Dia Municipal do Samba Junino.
E como tudo começou?
A casa da família Bafafé, no Engenho Velho de Brotas, é um dos berços do Samba Junino, que também abriga o Ilê Axé Ogun Alabeji, conhecido por Terreiro de Jagun, de matriz ijexá. A festa era realizada por Dona Amélia de Iemanjá, zeladora do axé e avó dos mabaços (termo de origem banto; gêmeos), Mario e Jorjão Bafafé, até os seus 93 anos.
Um marco fundamental foi a criação do primeiro Festival de Samba Duro Junino em 1979, que aconteceu na Praça dos Artistas, no Engenho Velho de Brotas, idealizado pelos irmãos Mário Sacramento (Mário Bafafé) e Jorge Sacramento (Mestre Jorjão Bafafé), netos de Dona Amélia. Eles perceberam a força dos sambas que ecoavam nas ruas dos bairros e decidiram uni-los em um evento que, inicialmente, reunia grupos de samba de roda e, com o tempo, incorporou formações com um samba mais cadenciado, consolidando a identidade do Samba Junino. Mario e Jorjão, também são diretores do Grupo União.
Para conhecer profundamente essa história assista “Samba Junino – de porta em porta“. O filme leva a conhecer seus mais de 40 anos de festivais, grupos, percussionistas, cantores e toda alegria da forma que se dá a apresentação – em cortejo pelas ruas dos bairros populares – influenciando as demais manifestações culturais e destacando as tradições nordestinas.
A origem do pagode baiano
Foi a partir dessas expressões culturais – samba de roda, samba duro e samba junino – servindo como base para o surgimento de outros estilos musicais contemporâneos, que se desenvolveu o pagode baiano, por exemplo, hoje sendo uma das principais linguagens da música pop que se faz na Bahia.
Essa manifestação cultural em torno do samba junino também projetou muitos artistas conhecidos do grande público como Tatau (que se consolidou à frente do Ara Ketu), Reinaldo (ex-Terra Samba), Ninha (cantor que fez sucesso com a Timbalada) e Márcio Victor.
O auge dessa manifestação foram os anos de 1980, com grupos chamados Samba Fama (LP “O Swingue” – primeiro registro fonográfico de Samba Junino), Samba Scorpions (com Tatau), Leva Eu (com Ninha), Os Negões, entre muitos outros. Com a ascensão do pagode baiano, o Samba Junino perdeu força naquela época.
Mestres, músicos e grupos culturais: conheça alguns
Mestre Seu Flôr
Cantor e compositor do grupo Samba Leva Eu desde 1981, Seu Flôr é uma figura central na história do samba junino. O grupo foi criado em 1979 no bairro Engenho Velho de Brotas para competir no festival organizado pelo Grupo União, no Largo dos Artistas. Nos últimos anos, o grupo tem marcado presença no carnaval de Salvador e em diversos eventos em municípios baianos.
Samba do Vai Kem Ké
Augusto Conceição lidera a Banda Samba do Vai Kem Ké, conhecida por seus arrastões no São João e ensaios na Casa do Maestro, localizada na Rua Mestre Pastinha, na comunidade do Alto das Pombas, em Salvador.
Em 1981, o músico, compositor e multi-instrumentista, Augusto atuou como diretor musical da Banda Samba Fama, gravando a música “Tereza na Fogueira”, que alcançou grande popularidade em toda a Bahia. Na década de 1990, foi pioneiro na incorporação de elementos do Samba Junino na banda Timbalada.
Mestra Jacira Bafafé
Pioneira do Samba Junino no bairro Engenho Velho de Brotas, Jacira Sacramento de Santana desempenhou um papel fundamental na disseminação desse estilo musical. Além disso, ela é uma ativa integrante da Federação do Samba Duro Junino do Estado da Bahia, onde contribui para a preservação e promoção dessa tradição cultural.
Um marco em sua trajetória foi ser a primeira mulher a cantar e ganhar em um festival de bloco afro, evidenciando seu talento e a importância de sua participação na cena musical baiana. Jacira também se destacou como musa do bloco afro Badauê.
Samba Fogueirão
O Samba Fogueirão projeto faz parte Associação Cultural Fogueirão foi criada na Vasco da Gama, em 1987. Jorge Fogueirão fundou o grupo de samba junino quando era um adolescente, tinha 13 anos de idade.
O movimento mescla elementos da cultura afrobaiana com elementos da cultura portuguesa e das festas juninas, tendo como diferencial a presença do instrumento timbal. Saiba mais neste link e também neste link.
Nonato Sanskey e Roda de Samba Mucum’G
O grupo Cultural Junino Roda de Samba Mucum’G, celebrou 25 anos de fomento desta cultura em 2025. Nonato Sanskey, fundador, vocalista, compositor e mestre de Samba Junino, é inserido no samba junino desde criança, através da Banda Mirim do Olodum. Já participou de diversos arrastões musicais com Carlinhos Brown, Timbalada e outros arrastões de Samba Junino além de se apresentar com Levada Louca, É o Tchan e Chiclete com Banana. Em 2000 criou o e O Instituto Cultural e Carnavalesco MUCUM’G de valorização da cultura baiana e afrodescendente.
Grupos Culturais
O Samba Duro da Ladeira nasceu em 2000, da união de percussionistas e músicos do bairro do Barbalho e Santo Antônio. São 24 anos de tradição e amor.
Já o Samba Duro de Terreiro, do Uruguai (Cidade Baixa), é um dos maiores em atividade na capital baiana.
Samba Junino e o universo LGBTQIA+
Moradora do Alto das Pombas, em Salvador, Pokett Nery é referência na cidade, enaltecida como rainha do samba duro, ritmo principal do Samba Junino. Pokett Nery é a atriz principal de sua história de luta e resistência. A dançarina trans tem sua trajetória contada no documentário que transversaliza o Samba Junino e o universo LGBTQIA+. Veja neste link.
Uma história nascida nos bairros
Os bairros tradicionais que realizam os festejos continuam sendo os lugares onde o ritmo nasceu, mas, outros bairros também se tornaram ao longo do tempo expoentes dessa manifestação cultural, como Liberdade, Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas, Alto das Pombas, além de Cajazeiras, Águas Claras e Canabrava, que têm se despontado nos últimos anos.
Mestre, músicos e grupos culturais tem cada vez mais se apresentado por toda cidade como Pelourinho e Santo Antônio Além do Carmo. Além disso, o Carnaval de Salvador também tem apresentações, principalmente na programação do Furdunço e do Fuzuê.
Por Fernanda Slama
Coordenadora de conteúdo do portal Visit Salvador da Bahia
Fontes:
Documento oficial da Fundação Gregório de Mattos (FGM) – Plano de Salvaguarda neste link.
Estudo e parecer etnomusicológico. Repositório Institucional da Universidade Federal da Bahia (UFBA) neste link.
Histórico de publicações sobre SAMBA JUNINO no Portal da FGM neste link.
Matéria sobre projetos que incentivam o samba junino (2018). Portal Agência de Notícias da Prefeitura de Salvador neste link.
Desde 2018, a FGM e a Prefeitura Municipal de Salvador desenvolveram projetos e editais que visam contemplar propostas que incentivem o fortalecimento, a manutenção e dinamização do Samba Junino no município de Salvador, além das suas formas de produção e reprodução, através da realização de oficinas, ensaios, festivais, concursos, apresentações, “arrastões”, entre outras.
Matéria sobre o Plano de Salvaguarda do Samba Junino – formulação de políticas públicas (2019). Portal Agência de Notícias da Prefeitura de Salvador neste link.
Sanção da lei do Dia do Samba Junino (2020). Portal da Câmara Municipal de Salvador neste link.
Matéria sobre samba duro no São João da Bahia (2021). Portal G1 BA neste link.
Matéria: “Samba Junino: conheça a manifestação que deu origem ao pagode baiano”, por Marcelo Argôlo (2022). Portal IBahia neste link.
Matéria: “Patrimônio É… homenageia os mestres e mestra do Samba Junino” (2024). Portal FGM neste link.
Matéria onde achei curiosidades sobre o Samba Junino (2023). Salvador Capital Afro neste link.
Matérias que você pode gostar:
Tradições juninas – santos, comida e bebida, samba Junino, quadrilhas e muito mais neste link.
Noite de Salvador: os forrós mais legais da cidade neste link.
É pra dançar! Conheça grupos, músicos e aulas de forró em Salvador neste link.