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Bairro de tradição quilombola, Ilha de Maré é ponto turístico da capital

Águas calmas e cristalinas em cenário paradisíaco atraem soteropolitanos e turistas

Praias de águas tranquilas, mornas e cristalinas. Paisagem com cenários para lindos registros fotográficos como recordação. Restaurantes com moquecas maravilhosas. A descrição da segunda maior ilha da Baía de Todos-os-Santos já seria o suficiente para justificar o fluxo intenso de visitantes. No entanto, o Salvador Capital Afro não poderia deixar de destacar que, também, a Ilha de Maré é o bairro mais negro da capital baiana, segundo o Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A região, que recebeu o título de bairro em 2017, além de abrigar diversas colônias de pescadores, conta com 11 comunidades, sendo cinco delas quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares (Bananeiras, Martelo, Ponta Grossa, Porto dos Cavalos e Praia Grande). Os primeiros negros escravizados chegaram para os engenhos de açúcar no século XVI nos navios negreiros, que tinham a região como rota, e, já no final do século XIX, a população de ex-escravos também passou a ocupar a região.

Salvador Capital Afro. Terminal Marítimo de São Tomé de Paripe x Ilha de Maré. Salvador Bahia. Foto Jefferson Dias.

A Ilha de Maré é uma das 56 ilhas da Baía de Todos-os-Santos e, para acessá-la, é preciso partir do Terminal Marítimo de São Tomé de Paripe, em barco, para uma viagem que dura cerca de 20 minutos. O ideal é chegar pela manhã, fazer um passeio pelas praias ou escolher uma para passar o dia ou final de semana.

Uma das prediletas vai ser a nossa indicação pelos motivos com que você vai concordar nos próximos parágrafos. Ainda no barco, a sensação é de estar chegando ao paraíso, que também pode ser chamado de Praia das Neves. A descida ainda é na água cristalina, para ir passeando até chegar à área onde ficam as mesas das poucas barracas. A barraca de Deise Damaceno de Freitas (@pointdadeise), 44 anos, foi a primeira a ser instalada há oito anos. Ela começou com isopor apenas com bebidas e foi ampliando os serviços.

Salvador Capital Afro. Point da Deise de Freitas, na Praia das Neves. Ilha de Maré. Salvador Bahia. Foto Jefferson Dias.

“Com a diminuição dos mariscos, resolvi atender o público que vinha curtir a praia e, como não achava estrutura, acabei aumentando a oferta aqui. E a maré, que sempre foi uma mãe para mim, me acolheu novamente, só que de outra forma. Não me vejo sem essa maré, e é por causa dela que estou aqui, todos os dias, das 8h às 17h”, disse a também marisqueira, desde os 14 anos de idade, e tataraneta de negros escravizados, que oferece uma das melhores moquecas da região e uma recepção que faz o dia passar rápido.

Salvador Capital Afro. Point da Deise de Freitas, na Praia das Neves. Ilha de Maré. Salvador Bahia. Foto Jefferson Dias.

A Praia das Neves também oferece os melhores cenários para fotos. Além da praia, tem o mangue e, no alto de uma colina, com acesso por uma escada, está a Igreja de Nossa Senhora das Neves, que data de 1552, com fachada de frente para um gramado, um cruzeiro e vista privilegiada para a ilha. Foi a primeira a ser construída em Ilha de Maré. A construção foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1958.

Depois das moquecas, vai ser difícil não ouvir falar, mas faça questão de experimentar o tradicional doce de banana feito por conta da quantidade de roças do fruto na região. Ótimo para o paladar que gosta de pouco açúcar, o doce é embalado na folha desidratada em pacotes com dez unidades, vendidos por ambulantes que circulam pela ilha ou por famílias nas varandas de casa.

Salvador Capital Afro. Doce de banana. Ilha de Maré. Salvador Bahia. Foto Jefferson Dias.

Além das funções em restaurantes, pousadas e barracas de praia, o artesanato é a profissão ou atividade de complementação de renda de boa parte dos habitantes da ilha. Na localidade de Santana, da varanda de casa com vista para o mar, Dalva Alves dos Santos, 82 anos, passa horas cruzando os bilros que herdou da mãe, Durvalina Alves Maciel.

Salvador Capital Afro. Dalva Alves. Ilha de Maré. Salvador Bahia. Foto Jefferson Dias.

O som do equipamento, às vezes, vai no ritmo da maré ou na velocidade dos pensamentos de dona Dalva, que aproveita o momento para cantar, rezar, pensar na vida. A atividade que ela pratica desde os 12 anos de idade e, profissionalmente, a partir dos 16, também funciona como terapia.

“É uma paixão mesmo. Adoro. Às vezes queimo até a panela por ficar distraída aqui”, disse ela, tecendo uma peça sob encomenda para uma cliente da capital.

Da mesma escola de quem aprende o ofício passado entre gerações, em Praia Grande, o pescador José do Carmo, 70 anos, conhecido como Zinho, tem um pequeno comércio em casa, onde vende alimentos, e, entre um cliente e outro, entrelaça as fibras de palha de canabrava, que transforma em cestas, bolsas de praia, bandejas, munzuás, mesas de centro, brincos e outros objetos.

Salvador Capital Afro. José do Carmo. Ilha de Maré. Salvador Bahia. Foto Jefferson Dias.

“Aprender esse tipo de atividade fazia parte da criação de todo mundo que nascia aqui. Era como pescar, mariscar. Então, por isso, quem aprendeu desse jeito não pensa em parar. Vai conciliando com outras atividades. Quando junto uma quantidade boa, participo de exposições, levo para vender em Salvador e vou levando a vida”, conta.

A mesma paixão e sensação de pertencimento são expressadas também por Marise de Souza Santos Maciel, 48 anos. Com instrumentos como facão, forquilha, cavador e muita paciência, a marisqueira criou três filhos com o que o mar de Ilha de Maré oferece, como ostra, marisco, siri, chumbinho e outros.

Salvador Capital Afro. Marise Santos. Ilha de Maré. Salvador Bahia. Foto Jefferson Dias.

“Aprendi esse ofício com minha mãe e não tenho motivo para reclamar. Essa maré me deu tudo que conquistei na minha vida e me sustenta até hoje. Chego aqui, tenho esse contato próximo com a natureza e recebo tudo de graça. Agradeço, todos os dias, por ter nascido aqui e não tenho vontade de viver em outro lugar”, afirma Marise.

Na linha de fortalecer ofícios nativos da região, a Associação Beneficente Educacional e Cultural de Ilha de Maré (@abecim), criada em 2002, reúne mulheres para fomentar o empreendedorismo.

Salvador Capital Afro. Selma de Souza. Ilha de Maré. Salvador Bahia. Foto Jefferson Dias.

“O artesanato, a culinária e a produção de placa acústica são as atividades mais frequentes aqui. Então, nosso trabalho busca essa meta de estruturar esses saberes ancestrais para desenvolver os negócios”, contou a coordenadora da entidade, a pedagoga Selma Jesus de Souza.

Para saber mais:

A história e as tradições das comunidades quilombolas da Ilha de Maré são contadas no documentário “Memórias da Minha Terra”, mostrando a importância da memória no processo de reconhecimento identitário.