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Ato contra o sincretismo liderado por ialorixás negras completa 40 anos

Marco é lembrado no Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e foi idealizado por mãe Stella de Oxóssi

O ano era 1983. Maria Stella de Azevedo Santos, mãe Stella de Oxóssi, liderança religiosa do Ilê Axé Opô Afonjá na época, idealizou o manifesto contra o sincretismo “Iansã não é Santa Bárbara”. O texto que marcou esse posicionamento, assinado por cinco mulheres negras, ícones lembrados no Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha comemorado dia 25 de julho, completa 40 anos em 2023.

O documento foi divulgado no 2º Encontro Mundial da Tradição dos Orixás, ocorrido na capital baiana em julho de 1983, e publicado no Jornal da Bahia. “Deixamos pública nossa posição a respeito do fato de nossa religião não ser uma seita, uma prática animista primitiva, consequentemente rejeitamos o sincretismo como fruto da nossa religião desde que ele foi criado pela escravidão à qual foram submetidos nossos antepassados”, consta no texto.

Além de mãe Stella de Oxóssi, são signatárias do manifesto as ialorixás Menininha do Gantois (Ilê Axé Iya Omin Iyamassé), Teté de Iansã (Ilê Axé Iyá Nassô Oká), Olga de Alaketo (Ilê Maroiá Láji) e Nicinha do Bogum (Zoogodô Bogum Malê Rundó). Saiba mais sobre mãe Stella:

“O manifesto é de uma potência política muito forte. Foi um movimento de lideranças femininas negras afirmando que o candomblé é uma religião. Esse ato rompeu com qualquer tentativa de tutela política por parte da igreja católica”, afirma a socióloga, feminista, professora e ativista de direitos humanos Vilma Reis. 

Estratégia preservou culto

Como explica o doutor em antropologia e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Ordep Serra, a iniciativa é reação a uma subordinação imposta pelo catolicismo, um ato de afirmação de dignidade. “É fruto de um ato de inteligência. Os africanos que foram escravizados interpretaram o cristianismo a partir do código que eles conheciam. Oyá é a senhora dos raios, tem espada e usa vermelho. Se Santa Bárbara tem essas mesmas características, só pode ser a Oyá dos brancos. Não há religião pura. No conceito antropológico, todas são sincréticas. O cristianismo nasceu do convívio de diferentes culturas”.

O pesquisador ainda afirma que a estratégia não implica perda de originalidade. “Eles nunca confundiram uma coisa com outra. Temos uma religião rica em ritos, preceitos e sem a necessidade de subordinação. No ambiente da igreja, não eram cultuadas as divindades africanas, como no terreiro o foco não eram os santos católicos”, disse Ordep. Veja mais:

Novas formas de luta

Uma das idealizadoras da ‘Caminhada pelo fim da Violência, da Intolerância e pela Paz’, mãe Valnizia Bianchi, líder espiritual do Terreiro do Cobre, ratifica a proposta do manifesto e acredita ser necessário manter a vigilância e o protesto contra os ataques à liberdade de culto. “O que devemos ter é respeito por qualquer religião, mas sem submissão ou substituição dos nossos ritos. Nossos ancestrais precisaram usar essa estratégia para manter nosso culto, mas não é mais necessário”, afirma a ialorixá.

A caminhada teve início em 2004 e reúne os terreiros do bairro do Engenho Velho da Federação que estavam sendo atacados por denominações de igrejas neopentecostais. Vestidos de branco, representantes da diversidade que caracteriza as religiões afro-brasileiras, tomam as ruas do entorno para ratificar o direito à liberdade de culto. Saiba mais neste link.

Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha

A data tem o propósito de dar visibilidade à luta das mulheres negras contra o racismo e a opressão de gênero no mundo e, no Brasil, é dedicada à líder quilombola Tereza de Benguela (Lei nº 12.987/2014), símbolo da resistência contra o governo escravista que viveu no século XVIII e liderou o Quilombo do Piolho ou Quariterê (entre Mato Grosso e Bolívia), que reuniu negros e indígenas.