As delícias gastronômicas da Bahia: abará

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Abará. Salvador, Bahia Foto: Amanda Oliveira.

Primo-irmão do acarajé, e “arma secreta” de Oxum, o abará é uma das iguarias nos tabuleiros das baianas

A culinária na Bahia é formada por um sincretismo cultural das gastronomias indígena, africana e portuguesa. A comida baiana se misturou com todas as demais culturas, o que lhe dá um caráter único no Brasil e no mundo. Os tabuleiros das baianas de acarajé são os maiores representantes desta união de sabores. Num tabuleiro podem ter acarajé, abará, passarinha, mingaus, lelê, bolinho de estudante, cocadas, pé de moleque e outros. Aqui, a gente te conta um pouco desta delícia gastronômica da Bahia: o abará.

O abará é “primo-irmão” do acarajé, é feito quase da mesma forma, a grande diferença é que o abará é cozido, enquanto o acarajé é frito. O abará é um bolinho de feijão-fradinho moído, cozido em banho-maria, embrulhado em folha de bananeira.

Este é um prato típico da culinária da África e da cozinha baiana, preparado com os mesmos preceitos das religiões de matrizes africanas. Traz na sua origem a marca deixada pelas antigas pessoas escravizadas, de quando era servido nos rituais e festas religiosas, ou vendido por mulheres que montavam seus tabuleiros nas ruas do Centro Histórico. Os costumes são praticamente os mesmos até hoje.

Hoje, quase todos os tabuleiros espalhados pela cidade servem a iguaria. Um dos abarás mais famosos é o de Regina dos Santos Conceição, que tem um ponto fixo* no Rio Vermelho há mais de 30 anos e outro na Graça.

O abará e as histórias de Jorge Amado

Para você que ama a obra de Jorge Amado, come-se abará em: O País do Carnaval; Jubiabá; Gabriela, Cravo e Canela; A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água; Os Pastores da Noite; Dona Flor e Seus Dois Maridos; Tenda dos Milagres; Tereza Batista, Cansada de Guerra; e O Sumiço da Santa.

“Do morro desciam as outras pastoras, vinha Gabriela da casa de dona Arminda, já não eram somente pastoras, eram filhas de santo, iaôs de Iansã. Cada noite seu Nilo soltava a alegria no meio da sala. Na pobre cozinha, Gabriela fabricava riqueza: acarajé de cobre, abarás de prata, o mistério de ouro do vatapá.” (Gabriela, Cravo e Canela)

Ingredientes

 

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Na sua origem, tal como o acarajé, o abará era servido sem qualquer ingrediente adicional. Com o passar dos anos, ganhou recheio, e agora pode ser servido com vatapá, camarões inteiros, caruru, salada e, para quem gosta, pimenta.

Leva na receita: feijão fradinho, azeite de dendê, camarão seco, cebola, sal a gosto e folhas de bananeira para envolver.

Modo de preparo: deixe os feijões de molho por no mínimo 12 horas. As cascas que saírem devem ser tiradas. Bata os feijões até ficar uma massa homogênea. Depois bata as cebolas e o camarão e misture com a massa de feijão. Vá adicionando o dendê. Lembre-se que os camarões secos devem ser previamente escaldados para tirar o sal.

Amacie as folhas de bananeira no fogo e comece a enrolar a massa. Faça uma base de folhas de bananeira no fundo da panela e assim arrume os abarás por cima. Adicione água sem encostar nos abarás. Deve ser cozido no vapor por aproximadamente 40 minutos, então é bom cobrir com uma folha de bananeira ou um pano.

A massa tradicional de abará, atualmente, tem algumas variações, nas quais se adiciona castanha de caju moída, amendoins torrados moídos e um pedaço pequeno de gengibre.

A origem do abará

Sempre muito poética, a comida de origem africana traz muitas histórias da mitologia dos orixás.

O livro “Cozinhando Histórias – Receitas, Histórias e Mitos de Pratos Afro-brasileiros”, escrito por Josmara B. Fregoneze, Marlene Jesus da Costa e Nancy Sousa, mais conhecida como Dona Cici*, conta o mito do abará.

Segundo a lenda, certo dia, Xangô, rei de Oió, decidiu ir à guerra contra uma tribo inimiga. Ele procurou Iemanjá, sua mãe guerreira, que imediatamente pegou suas armas e saiu com Xangô; chamou também Oia, sua jovem esposa, que se juntou a ele e pegou seus apetrechos de luta; foi até Obá, a velha e grande guerreira, que em um piscar de olhos estava pronta.

Em seguida, Xangô procurou Oxoce (ou Oxóssi ou Oxossi ou Òsóòsì), seu irmão, mas Oxoce disse que não, e imediatamente se transformou em javali e desapareceu na floresta. Oxoce nunca perdoou Xangô por ter lhe roubado Oxum, que era sua esposa.

O próximo que Xangô procurou foi Ogum, dizendo: “Meu irmão, você está ao meu lado nesta guerra?”. Ogum respondeu: “sim, guerra é comigo”. Cada vez mais o exército de Xangô crescia.
Finalmente, Xangô chegou ao palácio de Oxum e a chamou com três saudações. Quando Oxum apareceu, Xangô perguntou: “Minha bela rainha, você vai lutar comigo?”.

Oxum mandou buscarem seu trono e se sentou tranquilamente. Xangô perguntou pela segunda vez, e então ela disse precisar de seu abebé (leque) e de mais joias. Os desejos de Oxum, mais uma vez, foram atendidos. Indagada novamente por Xangô, Oxum, antes de responder, disse que gostaria de ter suas bonecas.

Xangô, muito irritado, disse: “Uma mulher que se preocupa com seu trono, suas joias e suas bonecas não quer ir à guerra”.

Oxum retornou para seu palácio na companhia de seu fiel amigo, Oxumaré, que ora está na forma humana, ora está na forma de serpente enrolada no trono de Oxum, e ora está no céu na forma do arco-íris.
Finalmente, Xangô foi à guerra, travou grandes batalhas e venceu seus inimigos, que foram tomados como escravos. Os bens e os escravos foram partilhados entre os guerreiros e Xangô iniciou o retorno para suas terras. No entanto, alguns inimigos conseguiram fugir e prepararam uma emboscada para Xangô.

Enquanto isso, Oxum, em seu palácio, recebeu informações da guerra por Oxumaré que, em forma de arco-íris, tudo vê. Oxumaré disse: “Minha senhora, Xangô venceu a guerra e está no caminho de volta, mas alguns de seus inimigos que fugiram estão bem próximos, com o objetivo de se vingar e de destruir o reino de Xangô”.

Oxum prontamente ordenou que fossem feitos muitos abarás e, quando estes ficaram prontos, ela mandou que todos se afastassem. Imediatamente, Oxum se transformou em um rio caudaloso e, com estrondos terríveis, correu em direção aos inimigos de Xangô. Quando chegou perto dos inimigos, suas águas ficaram tranquilas e os abarás começaram a boiar.

Os inimigos, cansados e famintos, entraram nas águas e se fartaram com os abarás. Quando todos estavam na água, o rio desapareceu na terra, levando todos os inimigos de Xangô. Então, um grande arco-íris riscou o céu e levou as novas a Xangô, que perguntou: “Quem foi o guerreiro que derrotou todos os meus inimigos em uma só batalha?”

Oxumaré disse: “Foi uma guerreira, Oxum.”

Admirado, Xangô perguntou: “Como é possível uma mulher sozinha derrotar tantos bravos guerreiros?”

Oxumaré disse: “A resposta está nos infinitos poderes de Oxum”.

Nota:
Acarajé da Regina – Largo de Santana, s/nº, Rio Vermelho, Telefone: 3232-7542. 15h/22h (sáb., dom. e feriados 10h30/20h); Rua da Graça, s/nº, em frente ao Colégio Sartre, Graça. Qui. e sex., 16h/21h30. Aberto desde 1979.

Livros:
“A comida baiana de Jorge Amado ou O livro de cozinha de Pedro Archanjo com as merendas de D. Flor”, de Paloma Jorge Amado Costa.
O mito do abará foi adaptado para este artigo. Foi retirado do livro: “Cozinhando Histórias – Receitas, Histórias e Mitos de Pratos Afro-brasileiros” com fotos de Pierre Verger. Foi escrito por Josmara B. Fregoneze, Marlene Jesus da Costa e Nancy Sousa, mais conhecida como Dona Cici.