30 anos do Balé Folclórico da Bahia

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Espetáculo Balé Folclórico da Bahia Pelourinho Salvador Bahia. Foto: Amanda Oliveira.

O Balé que você não vê e o Balé que você conhece num espetáculo contemporâneo

Por Fernanda Slama
Espetáculo Balé Folclórico da Bahia Pelourinho Salvador Bahia. Foto: Amanda Oliveira.

Slim Melo era morador de Plataforma, subúrbio de Salvador. Pegava o 238, ônibus da linha Plataforma X Lapa e ia para as aulas do Curso Júnior do Balé Folclórico da Bahia, no Pelourinho. Lá se formou, tornou-se bailarino principal e depois aprimorou seus estudos em balé clássico na Escola do Bolshoi no Brasil. Slim ganhou o mundo. Foi para Nova Iorque, estudou as técnicas Horton e Martha Graham na The Ailey School. Profissionalmente, dançou em companhias como The Alvin Ailey American Dance Theater, The Metropolitan Opera Ballet e Maurice Hines Musicals.

Essa é apenas uma das grandes histórias do Balé Folclórico da Bahia. Quem diria que em agosto de 1988 nasceria aquela que viria a ser a maior companhia profissional de dança folclórica do Brasil e que nos representaria mundo afora com uma dança vibrante e de técnica precisa? Walson Botelho e Ninho Reis idealizaram o Balé Folclórico da Bahia (BFB) que, há 30 anos, difunde o melhor do Brasil para o mundo, ao mesmo tempo em que promove o reencontro do país com as suas origens: a cultura popular, a cultura negra, a cultura afro-baiana, a herança indígena.

Espetáculo Balé Folclórico da Bahia Pelourinho Salvador Bahia. Foto: Amanda Oliveira.

Este artigo poderia passar horas descrevendo o reconhecimento mundial desta tão premiada companhia baiana, que até deu nome a uma rua na África. Ou das turnês internacionais e a nacional, ou sobre quando, em 2013, a prefeitura de Atlanta (USA) proclamou o 1º de novembro como o “Dia do Balé Folclórico da Bahia” no calendário oficial da cidade. Mas não. O relato é exatamente sobre o “Balé que você não vê”, tema das comemorações deste ano. Os bastidores, histórias como a de Slim e fatos inusitados deste tão representativo trabalho.

O Balé que você não vê

Ensaio do Balé Folclórico da Bahia 30 anos. Foto: Thiago Sampaio.

O balé que ninguém conhece, da sala de aula, da dança moderna, da dança contemporânea, das técnicas. O trabalho desde o balé clássico, até a dança afro, a dança folclórica, a capoeira, o teatro, a música. Algumas pessoas não sabem, mas todas as aulas e projetos são gratuitos. Tem oficinas para crianças, para adolescentes e para adultos. É desta maneira que se descobrem vários talentos. Muitos dos mais de 700 bailarinos que se formaram no balé, entraram desta forma.

“O bailarino aqui não vem apenas para ‘fazer plié’, giros e afins, ele vem para assistir seminários (sobre diversos assuntos), ele vem aqui para ser formado também como um cidadão consciente da sua condição e como multiplicador dos seus objetivos, da sua razão de estar aqui. O balé que é visto (no teatro) é o balé colorido, do atabaque, do espetáculo, mas o balé que você não vê é esse da sala de aula”, diz o Diretor Geral, Walson (Vavá) Botelho, com orgulho.

É exatamente dessas pessoas que o próximo espetáculo do Balé Folclórico vai falar. Uma homenagem ao próprio elenco, o corpo que construiu essa história. Carlos Durval dos Santos, Slim Melo e Nildinha Fonseca assinam 3 coreografias inéditas. Durval e Slim se formaram no Balé Folclórico da Bahia e hoje moram fora do país. Nildinha, a quem Vavá chama carinhosamente de “um dos dinossauros sagrados” do Balé Folclórico, está lá desde o começo até hoje. Definitivamente, são criações cheias de emoção.

Ensaio aberto – constante aperfeiçoamento

Ensaio do Balé Folclórico da Bahia 30 anos. Foto: Thiago Sampaio.

Naquela tarde de segunda-feira, coreógrafos, dançarinos e curiosos foram assistir ao ensaio aberto do espetáculo de 30 anos. Na “plateia” (sala de aula) estavam presentes Fátima Suarez, coreógrafa, dançarina e diretora da Escola Contemporânea de Dança e uma das principais especialistas em técnica Martha Graham no Brasil; Nelma Seixas, coreógrafa e professora da Faculdade de Dança da Universidade Federal da Bahia, bailarina e um grande ícone da dança na Bahia; o panamenho Luiz Molina, bailarino do Balé do Teatro Castro Alves, entre outros nomes.

De olhos atentos a cada detalhe, estava José Carlos Arandiba Gomes Santos, filho de Ogum, um autêntico deus dos guerreiros. Com uma gargalhada boa, que te leva a rir junto, Zebrinha, como também é conhecido, sorri com os olhos. O talentoso Diretor Artístico do BFB, diz com orgulho: “Trabalho em dois grupos que são de utilidade pública nesse país, tanto na parte educativa, quanto na parte cultural. O Balé Folclórico pra mim é meu corpo político. O Bando de Teatro Olodum é a minha voz política”. Zebrinha silenciou. O ensaio ia começar.

“Não é uma linguagem que estamos acostumados a apresentar na companhia como espetáculo. Por isso, estamos fazendo esses ensaios abertos, até pra gente ouvir as pessoas”, Vavá explica descalço, já no meio dos bailarinos que se preparavam para a primeira dança.

A música começa. Movimentos do balé e música clássica se unem a uma linguagem corporal da cultura afro-brasileira. Uma fusão entre clássicos europeus e matriz africana, com a ousadia com que há dez anos apresentaram “Sagração da Primavera de Stravinsky”. A coreografia, assinada por Carlos Durval Santos, é uma exuberante versão afro contemporânea do Bolero de Ravel. Durval passou pelo Balé Folclórico da Bahia e também ganhou o mundo. Atualmente, vive em Nova Iorque como professor e coreógrafo da companhia de dança The Alvin Ailey Dance Theater, da qual também foi bailarino principal por muitos anos.

Ensaio do Balé Folclórico da Bahia 30 anos. Foto: Thiago Sampaio.

Assim que termina, silêncio e olhares estarrecidos. Forte, intenso e moderno. Em meio aos aplausos, Vavá já vai explicado que a música vai ser trabalhada, trazendo todos os traços da africanidade, da música baiana, para o Bolero de Ravel. Ou seja, além dos instrumentos da orquestra sinfônica, ainda vai entrar o berimbau, o atabaque, a conga, assim como a coreografia já traz todo esse traço e essa tendência. Enquanto isso, os bailarinos respiram e já se posicionam para a próxima apresentação.

O nível de surpresa permanece. Entra em cena a dança urbana, o hip-hop, a dança negra americana, o pagode baiano. Slim Melo propõe uma coreografia que remete à sua memória de quando morador na Cidade Baixa, em Salvador. A coreografia se chama 238, que, como a história lá do começo, é a representatividade do caminho percorrido, a trajetória dele na vida. Aí a mistura do Balé Folclórico, dos ritmos de Plataforma com os de Harlem e a técnica da Alvin Ailey. Singular, espontâneo e atual.

Ensaio do Balé Folclórico da Bahia 30 anos. Foto: Thiago Sampaio.

Para a última apresentação, todos se recompõem para uma performance visceral. Okan, que em iorubá quer dizer coração, faz um passeio pelo universo feminino, a força da mulher, o ser oxum. A primeira bailarina do Balé Folclórico da Bahia, Nildinha, trouxe elementos de matriz africana somados à feminilidade. Engloba diversas linguagens como teatro, dança e música. Delicado e sensual. Valente e imponente.

“…a brejeira, a guerreira, a que sofre, a mulher que passa por todos os preconceitos e problemas que se enfrenta no mundo hoje em dia. É essa a realidade que Nildinha quer passar, com a linguagem da dança afro tradicional”, finaliza Vavá.

Dias depois desse ensaio aberto, houve uma apresentação no Vila Velha, em Salvador. Foi durante o ”A Cena tá preta 2018”, que, este ano, homenageou os 30 anos do Balé Folclórico. Uma “apresentação-ensaio” em primeira mão, como uma forma de presentear o Bando de Teatro Olodum, mostrando, em seu teatro, as três coreografias apresentadas no ensaio. O público presente pôde ver as coreografias prontas, mas ainda sem figurino e sem iluminação definitiva.

30 anos do Balé Folclórico da Bahia, ensaio aberto no Teatro Vila Velha

Zebrinha e Vavá receberam flores e uma placa em homenagem à obra. Entre uma apresentação e outra, Vavá foi contando a história do balé. Dentre as curiosidades, ele contou sobre como o grupo começou ensaiando escondido, em um imóvel em construção; disse também que está entre os espetáculos em cartaz há mais tempo no mundo de forma ininterrupta; falou ainda que a companhia já esteve em mais de trezentas cidades e 24 países. É muito interessante conhecer um outro lado desse balé, que fez do Teatro Miguel Santana, sua sede no Pelourinho, uma parada obrigatória para visitantes de todo o mundo.

Serviço

Todos os cursos e oficinas são gratuitos à tarde e à noite, abertos para todos. Balé júnior, para crianças entre 5 e 14 anos, às segunda, quartas e sextas, das 13h às 15h. Nas oficinas para adultos, para quem quiser dançar, às segundas e quartas, das 20h às 22h, o ano inteiro.

O Espetáculo em celebração dos 30 anos tem dois atos. O primeiro, com 3 coreografias inéditas – Bolero de Ravel, 2.3.8 e OKAN. O segundo, com duas remontagens, assinadas por Nildinha Fonseca: Herança Sagrada – A Corte de Oxalá e Rapsódia Brasileira. A apresentação “oficial” será no Teatro Castro Alves, mas, por falta de patrocínio, ainda não tem data definida.

Preparamos uma lista com músicas perfeitas para esta experiência. Ouça agora!